sexta-feira, 23 de abril de 2021

O ganho terapêutico e o voo em Marte - Coluna Saúde-se

 ‌‌‌‌‌Com a palavra, a palavra, que vale mais do que mil imagens...

O texto de hoje serve muito mais aos colegas de profissão, por causa do uso de termos técnicos sem uma explicação do que eles significam. Mas tenho certeza que qualquer pessoa que o leia sairá ganhando.

Vamos lá!

Uma moção essencialmente imaginária, quando não acolhida e processada majoritariamente pelo registro simbólico, opera a mais diversificada gama do sofrimento psíquico e, por conseguinte, de sintomas. O papel da análise, como fortalecedora do "sistema operacional" simbólico, não é extinguir o registro imaginário e suas moções, mas sim amparar o sujeito com elementos simbólicos capazes de dissipar as frequentes "nuvens imaginárias" que produzem sofrimento e sintomas pouco conectados com a "realidade" - ou seja, com o conjunto de fenômenos, coisas e acontecimentos que obteve, ao longo da história da humanidade, o status de "realidade", por ser capaz de apresentar algum grau, ainda que irrisório, de constância e gozar, por isso, de certo consenso nas comunidades científicas e filosóficas. Assim é que, por exemplo, uma pessoa não analisada, ao ser atingida por uma "nuvem imaginária", cuja gramática possa se traduzir pela  frase "nada na minha vida está indo como eu gostaria", terá grande chance de ser acometida de um sofrimento muito amplo, obedecendo a essa frase e ignorando possíveis "fatos mais realistas" (observadas as questões da ideia de realidade apresentadas acima), como a sua factual realização material e financeira, por exemplo. Por outro lado, uma pessoa analisada, seja por ato direto do analista, seja por reflexão do próprio analisante, provavelmente, responderá a essa nuvem imaginária com "jatos simbólicos dissipadores" traduzidos por frases como: "na verdade, há setores da minha vida onde tenho obtido realizações, como a parte financeira", "as áreas da minha vida onde as coisas não estão indo como eu gostaria representam apenas uma parte da minha vida e não o seu todo". Nesse sentido, a ação simbólica frente ao imaginário representa, muitas vezes, algo como "um ponto de basta" numa moção, frequentemente poderosa, que surge com o potencial de produzir sofrimento sem objeto ou objetos minimamente definidos, considerando quais sejam os jogos discursivos, os símbolos e signos da cultura à qual o sujeito pertence e, ainda, a sua avaliação, nesse contexto, de onde se inclui ou se exclui, enquanto integrante do corpo social. 

‌Basicamente, podemos dizer que o aparelho psíquico, ao se estruturar tal como uma linguagem, dispõe do registro simbólico como eficiente leitor dos códigos criptografados do registro imaginário. Acredito que podemos dizer, ainda, que o registro simbólico opera uma tradução das imagens (do imaginário) em palavras, produzindo um processamento de dados que, frequentemente, afasta o sujeito do mal-estar. As palavras são o modo de tradução da realidade (e do Real) que produz os efeitos mais duradouros nos humanos, ainda que essa tradução seja impossível e estejamos condenados a somente traduzir os fenômenos do corpo, do aparelho psíquico, da terra e do universo sob o predicativo do "como se".

‌Tão inevitável como a condição do "como se" na interpretação humana de coisas e fenômenos, é a leitura de toda e qualquer coisa como se fosse um texto e, obviamente, possuidora de palavras a serem traduzidas, sejam escritas (como os hieróglifos, por exemplo), sejam faladas, como confessam, indiretamente, as ciências astronômicas, ao investirem em equipamentos cada vez mais sofisticados, capazes de captar ondas de rádio ao redor do universo, as quais poderiam conter códigos linguísticos de outras civilizações - vivas ou mortas. 

‌Todo e qualquer avanço na descoberta de algo desconhecido e na sua compreensão passa pela palavra. 

Isso não significa dizer que haverá qualquer tipo de controle, por parte do analisante ou do analista, qualquer tipo de submissão dos pensamentos, afetos e impulsos a uma razão absoluta. Trata-se, em contrário, de inserir no discurso do sujeito a dimensão da averiguação dos fatos, com base na inserção da dúvida, recorrendo ao máximo de significantes que se possa extrair de sua fala.

‌Trata-se de reposicionar o seu pensamento, de S1 (um significante-mestre, dogmático, que bloqueia a reflexão) em S2 - uma infinidade de significantes, que impulsiona o sujeito no sentido da construção de várias hipóteses sobre o que significa o seu sofrimento.

‌Ao público geral, aconselho: fale com um/a psicanalista! 

Ao colega de profissão: fale como e com um/a psicanalista!

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